Sil Curiati é paulistana, amante do Rio,
ex-moradora de Miami, de volta à terra da garoa.
Curte comes e bebes, é nos jantares que dá em casa que ouve os maiores
absurdos publicados neste blog.
Vive com música nos ouvidos e nos pés.
Um dia será dançarina e fará
propaganda nas horas vagas.
Vive sonhando acordada, também.
30 Carnavais, mais de 120 cidades no currículo.
Neste blog quase abandonado faltava um post do mês 12. Para celebrar o fim de um ano quadrado, meio ratoeira, cheio de armadilhas e golpes de susto - caso seja único e solitário, este post. Se outros vierem atrás, ou mesmo um somente, ele ficará como o que abre o último mês do ano, o mesmo ano quadrado e sem saída, que como um túnel longo, revela uma luz lá na extremidade que desponta em 13 dias. Esta luz me trouxe a escrever. Hoje, São Paulo amanheceu com a cor de Miami. Você percebe as cores? Percebo nuances. A de hoje era igual, sem tirar nem pôr, à de Miami. Até abri os vidros do carro, às 6 da manhã, pressentindo a maresia no ar. Mas como é um ano de golpes, senti fumaça. Um dos dois pontos que diferenciaram São Paulo de Miami esta manhã, a fumaça. O outro era o exorbitante movimento de carros na rua, assim, apressados. Tão cedo, eu mal estava acordada, dirigindo como quem passeia em uma praia. Em Miami. Fiquei nostálgica. E São Paulo estava bonita. A luz quente e oblíqua resolveu pintar uma favela pela qual passei, e ela pareceu sair de uma canção de Chico. Alguma que celebrasse um morro como o da Mangueira, com poesia semelhante. Vi alegria naquela favela, sonhei que eles eram saudáveis e viviam bem, teriam por fim um Feliz Natal e Próspero Ano Novo. Sonhei por um minuto, até ser acordada por um buraco ameaçador de pneus desavisados. Lembrei-me de um livro que adoro, O Cortiço. Das relações humanas carnais que queimam em suas páginas. Quentes como o tom alaranjado que cobria a favela, esta manhã. Pensei nas pessoas, o quanto elas amam, o quanto elas querem, o quanto elas lutam, e o quanto elas desistem num piscar de olhos. Numa piscadela de um olhar furtivo, abrem mão daqueles que se fecham em paz ao seu lado todas as noites. Pelos mesmos motivos, casais riem juntos, se abraçam, beijam e rolam na cama, e casais se ferem, gritam e atiram travesseiros para que o outro durma na sala. "Eu achei um hambúrguer debaixo do travesseiro. Um hambúrguer meio comido, veja só", diria uma mulher justificando a briga, enquanto outra perderia o ar de tanto rir, e completaria com o carinhoso "Só ele mesmo...". Tudo uma questão de tempo. Dedicação. Vontade de dedicar-se. Envolvimento. Cumplicidade. Tempo, enfim, como eu já dizia.
Tudo isso passou pela minha cabeça, provavelmente entre 6 e 6h05 da manhã de hoje. No minuto seguinte, me peguei sorrindo em paz, porque meu anjo da guarda (que é um cara enorme e fortão, com voz de tenor e canta bem pacas) me soprou uma frase enigmática e esclarecedora: "É porque ainda tem muito amor aqui, e você sabe onde encontrar". E de repente, tudo o que eu vi, pensei, e vivi, pareceu fazer sentido.